abtl #7
Dor
substantivo feminino
sensação penosa, desagradável, produzida pela excitação de terminações nervosas sensíveis a esses estímulos, e classificada de acordo com o seu lugar, tipo, intensidade, periodicidade, difusão e caráter.
mágoa originada por desgostos do espírito ou do coração; sentimento causado por decepção, desgraça, sofrimento, morte de um ente querido etc.
Eu tenho muito para falar sobre dor, não a física (apesar de que poderia também), mas a sentimental. Eu vou começar contando uma história que passei há uns anos.
Eu fui recusado uma vez em um programa de formação de líderes porque eu não soube receber um feedback das pessoas do grupo da dinâmica que tivemos que fazer no processo seletivo.
Depois que apresentamos, a pessoa que estava conduzindo a sessão fez o seguinte pedido: “Pensem em quem do grupo você desclassificaria e porque. Vamos realmente fazer isso agora. ”Duas pessoas de quatro falaram o meu nome e as duas justificaram que o motivo foi que eu não havia colaborado o suficiente.”
Eu me lembro nitidamente do meu sangue fervendo na hora. Eu me lembro do sentimento de ataque. Eu realmente fui desclassificado, porque a maneira como eu reagi foi muito ruim. Eu acabei falando que não era verdade, que eles que não me incluíram e que eles que não tinham gostado de mim. Eu estava me fazendo de vítima. E na real, eu realmente não havia me empenhado o suficiente.
Mais tarde, ali mesmo na call, a condutora me disse que eu fui desclassificado não porque as pessoas tinham me escolhido, mas porque eu não havia lidado bem com o feedback que eu havia recebido e que um líder que não sabe aceitar feedback, tem pouca chance de ser um grande líder ou mesmo de se tornar um líder.
Eu não soube lidar com a dor da derrota. Com a dor de ter sido “injustiçado". A dor de ser “criticado”. Com a dor de não ter sido bom o suficiente. Eu perdi uma baita oportunidade porque eu não havia me preparado para sentir dor. Eu não fui forte o suficiente para assumir que eu não havia me empenhado tanto porque a dor estava maior que a minha força. Ao invés de assumir meus erros, eu ataquei as pessoas.
No geral, o ser humano não sabe lidar com a dor. É biológico. É como se o seu cérebro interpretasse que você está correndo risco de vida e que uma ameaça está ali na sua frente. Por vezes, algumas palavras "contra" você são suficientes para você se sentir atacado. Pronto. Cortisol (fora de hora) no corpo todo porque ele quer te paralisar e te proteger. Um mecanismo tão primitivo em tempos de abundância e tecnologia.
Não é que eu esteja dizendo que dor é algo bom de se lidar, porque para mim não é. Eu estou dizendo que não saber lidar com dor, me atrasou alguns passos na carreira. Não só por não ter participado desse programa de liderança, mas em muitos momentos da minha carreira.
Em várias situações eu não sabia lidar com falas de pessoas criticando o meu trabalho e as atacava, quebrando relações totalmente. Eu não tinha coragem de pedir feedback. E quando virei líder, tinha menos coragem ainda. "Imagina se as pessoas me falarem que eu não estou sendo um bom líder?"
Sem feedback, ficava difícil demais entender onde eu poderia evoluir e as pessoas com medo de me falarem a verdade, acabavam não me falando sobre os meus erros e muito menos como eles estavam impactando elas. Além de que eu não lidava bem quando alguém tinha a coragem de me dar feedback e começa a "atacá-las" de volta, buscando todas as desculpas e justificativas do mundo. E para piorar, eu chegava em casa e ficava atacando a mim mesmo.
Na minha cabeça
“Como eu não fui capaz de enxergar isso?”
“Como eu não consegui executar tal coisa?”
“Como que eu não sabia responder algo tão simples?”.
Ou pior
“Quem aquela pessoa pensa que é para falar que eu não faço um bom trabalho?”
“Eu não tenho culpa nenhuma nisso, eu fiz um bom trabalho a outra pessoa que não enxerga!”
“Você que não sabe fazer direito. Você não sabe o que você está falando.”
Toda essa dor, toda essa angústia, toda essa ansiedade porque eu não sabia lidar com a dor. Como já diria a maravilhosa Brené Brown
O ser humano vai fazer de tudo para não sentir dor, inclusive causar dor e abusar do poder.
A minha virada de chave veio quando, em um workshop para líderes, a pessoa que estava conduzindo passou o incrível vídeo da Brené sobre vulnerabilidade no TED. E então descobri dois livros dela: "A coragem para liderar" e "A coragem de ser imperfeito". Esses dois livros me fizeram enxergar a dor de outra maneira.
Eu compreendi que o que eu estava fazendo era sempre entrar em modo de defesa porque eu achava que eu estava sendo atacado. Mas adivinhe, as pessoas não estavam me atacando. Elas estavam simplesmente expondo a visão que elas tinham de mim. E a visão que elas tinham de mim era exatamente a visão que eu estava transparecendo para elas. Eu estava causando isso nas pessoas.
A partir do momento em que você interage e se relaciona com outras pessoas, elas vão de fato criar uma visão sua na cabeça delas. Essa visão é baseada na maneira como elas enxergam o mundo, e essa visão é derivada das crenças e valores que elas têm. E disso, eu não tenho controle nenhum.
Se eu quero passar uma outra visão para as pessoas, eu tenho que garantir isso. Porque do contrário, elas vão criar a visão que elas enxergam. Um feedback nada mais é do que a percepção que a pessoa tem de você e isso muda de pessoa para pessoa e de uma combinação de fatores maior do que a que você enxerga.
Quando eu parei de enxergar tudo como ataque, de entender que eu tenho limitações mesmo e que se eu não souber quais são essas limitações eu nunca vou ter a chance de melhorar, de que eu não sou o centro do mundo, de que eu não sou uma vítima da sociedade e de que o que as pessoas falam é a visão de mundo delas e não a minha, foi nesse momento que eu me libertei.
E foi nesse momento que eu mais cresci como ser humano e como profissional. Foi quando eu aprendi a lidar com a dor.
Não foi eliminando a dor. Quando recebo feedbacks negativos ainda é algo desconfortável. Mas eu consigo escutar o feedback sem julgar e entrar em modo de defesa. É só a pessoa me falando a visão dela. Eu uso isso a meu favor ou não. A escolha é sempre minha.
Mas isso não me angustia mais. Isso não me assombra mais. Eu não fico me lamentando quando vou mal em algo. Sofro ali meus dois minutos e já sigo em frente, porque eu entendi que o que vai me tirar dali é um plano e a execução do plano. Entrar numa espiral de lamentação vai me manter ali e me atrasar.
Quando eu entendi isso, eu evolui como líder. E hoje, o que eu mais faço é falar com as pessoas que eu lidero sobre emoções. Sobre como a gente reage mal quando a gente não sabe lidar com dor, com o sangue cheio de cortisol. Como líder, a disciplina que eu mais ensino não é estratégia, mas sim emoções.
E eu não encontrei outro caminho para evoluir no campo das emoções mais do que entendê-las. O caminho que eu achei foi um caminho de tomada de consciência, de reflexão diária. O caminho que eu encontrei foi um caminho de entender que nem sempre eu estava certo mesmo, que nem sempre eu acertava tudo e que eu não era dono do mundo.
O caminho que eu encontrei foi o caminho da auto responsabilidade. Assunto para a próxima abtl.
Que texto bacana ... Fui lendo e identificando situações,pelas quais, passei , e na hora não tive cabeça para me defender com dignidade.
Mas, já passou e bola pra frente .