Crise
abtl #5
crise
substantivo feminino
Conjuntura socioeconômica problemática, desequilÃbrio entre bens de produção e de consumo, normalmente definida pelo aumento dos preços, pelo excesso de desemprego, de falências: crise econômica.
Momento perigoso ou difÃcil; perÃodo de desordem.
Não sei vocês, mas eu nunca me planejava para quando as coisas, por algum motivo que eu não pudesse controlar, não dessem certo. Mas a vida é uma tremenda montanha russa aleatória, onde o acaso é um elemento presente e frequente. Crises, desde pequenas até as que mudaram o rumo da humanidade, acontecem mais do que a gente gostaria.
Até chegar o COVID, eu nem sabia direito o que significava uma pandemia. Talvez eu tenha escutado a palavra epidemia, mas não pandemia. Eu pelo menos nunca tinha parado para pensar sobre como o mundo globalizado e tecnológico que a gente vive favorece e muito, para que grandes eventos como esse aconteçam. É quase "sorte" ter demorado pouco mais de 100 anos para que uma nova pandemia acontecesse. A última foi a da gripe espanhola, em 1918 e 1919, onde o mundo se viu diante de uma das maiores pandemias já presenciadas no mundo, com 50 milhões de mortes.Â
Me lembro como se fosse ontem, no dia 6 de abril de 2020 eu tive um dos piores dias da minha vida, quando a Vindi teve que preservar o caixa por conta da crise econômica causada pela COVID e demitiu 20% do seu quadro, onde minha equipe também não passou ilesa. Eu nunca pensei que isso poderia acontecer e, portanto, nunca havia me preparado para eventos desse tipo. Eu tive pouco tempo para decidir quem demitir. Foi um baque grande, difÃcil de recuperar.
E agora, estamos passando por mais uma crise no mundo, com inflação global alta por conta da covid e guerra. Uma crise que ainda não sabemos quais proporções vai tomar nos próximos anos ou quanto tempo irá durar, mas que já sentimos tanto do ponto de vista das pioras nos Ãndices de desenvolvimento humano, com muita gente na pobreza, até na dificuldade das startups que apostavam em crescimento a qualquer custo, de não serem mais capazes de se capitalizar facilmente e estão realizando layoffs ao redor do mundo todo para preservar o caixa e sobreviver.
O mundo é feito de ciclos
Crises no geral acontecem ou por grandes eventos adversos como COVID e guerras ou porque o ser humano muitas vezes toma decisões irracionais, onde a emoção, a euforia e o excesso de otimismo entram na frente da razão, como aconteceu em 2008, na crise imobiliária dos EUA, que levou o mundo para recessão.
Grandes crises, no geral, causam o que os economistas chamam de ciclos de baixa da economia ou no bom inglês bear market. A economia se divide ciclicamente entre ciclos de baixa e ciclos de alta (bull markets). Isso acontece desde que se tem registros.
Ter entendido como a economia e o capitalismo funcionam, me ajudou muito a entender porque certas coisas acontecem no mundo (assunto para um outro texto), mas mais que isso, me ajudou a tomar consciência de que, num mundo feito de ciclos, é questão de tempo de que algo que impacte diretamente a nossa vida e o nosso trabalho, aconteça. E perceba, a nossa própria vida é feita de ciclos de alta e de baixa.
Tem dia que estamos felizes e dias que não. Tem perÃodos que temos prosperidade e perÃodos de turbulência. Por vezes, está tudo bem em nossas equipes e por vezes, parece que tudo foi abaixo. E foi entendendo isso que eu passei a me preparar mais para as crises. Não necessariamente para grandes crises como o COVID, a qual eu nunca imaginei que podiam chegar, mas para crises que poderiam aparecer no meu dia a dia, como meu carro quebrando até a possibilidade de perder o meu emprego.
Você já parou para pensar no que você faria se você perdesse o seu emprego? Qual o plano? Qual a primeira decisão que você tomaria? Como você reagiria?
O ser humano é otimista
Eu já fiz essa pergunta para vários e vários lÃderes:
Você tem um plano estruturado para se alguém da sua equipe pedir demissão?
100% das respostas foram que não. E é natural que seja assim. O ser humano é otimista. É um mecanismo de defesa do nosso cérebro. Se dependesse dele, nós ficarÃamos como nossos antepassados, dentro de cavernas, nos protegendo e só sairÃamos para caçar.Â
O seu cérebro não quer que você sinta dor e pensar em coisas que podem dar errado, podem nos trazer gatilhos de ansiedade e até sofrimento antecipado e isso diz para o nosso cérebro que estamos ameaçados (apesar de não vivermos mais na selva, o nosso cérebro acha que sim).
Como diz a Brené Brown
O ser humano vai fazer de tudo para não sentir dor, inclusive causar dor e abusar do poder.
O ponto todo é, eu não me preparava para coisas que pudessem dar errado nas equipes que estavam comigo e quando as coisas davam errado, eu nem sempre conseguia tomar boas decisões.
Não é porque eu resolvi pensar no que pode dar errado na minha vida que eu deixei de ser otimista. Não. Eu inclusive tenho sempre um posicionamento positivo perante as situações. Mas o que mudou foi que em muitas situações eu não sou pego mais de surpresa e isso me faz tomar melhores decisões, sem reagir através da emoção ou do medo.
As pessoas não são crianças
Algo que eu mudei bastante em relação a minha postura perante as pessoas que lidero foi principalmente em não tratá-las com crianças. Eu, particularmente, abomino a frase: "Ah, mas fulano não tem maturidade.". Como as pessoas vão ganhar maturidade se elas são protegidas o tempo todo?
A minha visão é que isso acontece porque estamos querendo reter as pessoas. Então todo assunto que possa desmotivá-las ou gerar insegurança é postergado ou nunca falado. É por isso que salário é um grande tabu e por isso que muitas pessoas dizem que não recebem feedbacks de seus lÃderes. O que eu tenho feito é realmente ter conversas difÃceis com as pessoas que estão comigo. Há um interesse genuÃno da minha parte em desenvolvê-las, mas a minha vontade de ajudá-las vai até onde a vontade delas termina.
Tenho falado e explicado com todas as pessoas do time sobre o momento que estamos passando no mercado, sobre ter menos dinheiro para dar aumentos, sobre eficiência e corte de custos, sobre porque algumas ações estão sendo tomadas na empresa, sobre como a diretoria enxerga o futuro e assim vai. Eu tenho falado sobre os problemas que podemos enfrentar, sobre frentes que talvez tenhamos que despriorizar bruscamente.Â
Eu tenho preparado as pessoas para quando as coisas não darem certo. Eu tenho preparado as pessoas para as mudanças que certamente vão acontecer. Eu tenho sido transparente em nÃveis que talvez outros gestores jamais serão. Mas eu só posso agir dessa maneira porque desde o primeiro dia que essas pessoas estão comigo eu as estou tratando como adultas e não como crianças. Eu não tenho medo de perdê-las para o mercado. Elas ficam comigo porque elas entendem exatamente o que elas podem ganhar olhando mais para o longo prazo.
É uma maratona e não uma sprint
O momento é de bastante cautela e de assumir um pouco mais de riscos. Acho que é o que eu mais tenho falado com as pessoas. Como lÃder, o que eu mais tenho feito é apoiar as pessoas em decisões mais difÃceis. Estamos buscando simplificar decisões de todas as formas possÃveis, inclusive abrindo mão de tomar certas decisões. Não nos apegamos e entendemos que o produto é somente o meio.
Tenho tido conversas cada vez mais profundas com as pessoas sobre carreira, sobre longo prazo, sobre paciência. Estamos criando planos para coisas que podem dar errado. Estamos criando uma forma de evoluir as pessoas, todas as pessoas ao mesmo tempo. Estamos enfim nos tratando como um time que joga junto, que se defende e que cresce junto. Vamos passar pela crise fortes.
Transparência, tratar as pessoas como adultas, falar sobre o que pode dar errado, simplificar, desapegar e ser mais pragmático nunca foi tão importante. O nosso jogo é de longo prazo. As pessoas ficam porque elas querem e não porque elas são retidas.
O que eu mais tenho falado para as pessoas é
Estamos correndo uma maratona e não uma sprint. A corrida é longa e agora está bem mais difÃcil, então não adianta correr muito rápido o tempo todo porque senão não vamos aguentar chegar no final.
O quanto você está preparando as pessoas para essa maratona?
Minhas indicações de livros sobre esse tema:
Crash: uma breve histórias da economia